Vintismo

1820-1823

Vintismo. Manifesto de 15 de dezembro de 1820. A regeneração perdida.

A revolução de 1820, nas suas boas intenções, tentou assumir-se como uma espécie de regeneração, visando restaurar a liberdade perdida tanto pelo despotismo ministerial como pelas invasões e proteções estrangeiras.

Segundo as próprias palavras do Manifesto da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, emitido em 15 de dezembro de 1820, redigido por Frei Francisco de São Luís, não é uma inovação, é a restituição das suas antigas e saudáveis instituições, corrigidas e aplicadas segundo as luzes do século e as circunstâncias políticas do mundo civilizado; é a restituição dos inalienáveis direitos que a natureza lhes concedeu, como concede a todos os povos; que os seus maiores constantemente exercitaram e zelaram, e de que somente há um século foram privados, ou pelo errado sistema de governo, ou pelas falsas doutrinas com que os vis aduladores dos príncipes confundiram as verdadeiras e sãs noções de direito público.

As cortes e a constituição não são coisa nova nestes reinos: são os nossos direitos e os dos nossos pais.

O futuro Cardeal Saraiva se reconhece que a moderna filosofia criou o sistema científico do direito público das nações e dos povos, nem por isso inventou ou criou os direitos sagrados que a própria natureza gravou com carateres indeléveis no coração dos homens, e que têm sido mais ou menos desenvolvidos, mas nunca de todo ignorados.

Os portugueses deram o trono, em 1139, ao seu primeiro ínclito monarca e fizeram nas cortes de Lamego as primeiras leis fundamentais da monarquia. Os portugueses deram o trono, em 1385, a el-rei D. João I, e lhe impuseram algumas condições que ele aceitou e guardou.

Os portugueses deram o trono, em 1640, ao senhor D. João IV, que também respeitou e guardou religiosamente os foros e liberdades da nação. Os portugueses tiveram sempre cortes até 1698, nas quais se trataram os mais importantes negócios relativos à política, legislação e fazenda; e neste período, que abrange mais de cinco séculos, os portugueses se elevaram ao cume da glória e da grandeza, e se fizeram credores do distinto lugar que, a despeito da inveja e da parcialidade, hão de sempre ocupar na história dos povos europeus.

Regime Vintista 

Não foi por excesso de liberalismo, mas por excesso de irrealismo e de incompetência política e administrativa, que o movimento de 1820 caiu tão depressa[1].

Foi em 27 de setembro de 1820 que os movimentos revoltosos de Lisboa e do Porto, depois de troca de correspondência entre Hermano Sobral e Francisco de São Luís, se fundiram em Alcobaça. No dia seguinte criavam-se dois órgãos unificados, desde uma Junta Provisional do Governo Supremo do Reino a uma Junta Provisional Preparatória das Cortes[2]. Já então começavam a esboçar-se as fricções no núcleo diretor do movimento, com o partido militar, encabeçado por António da Silveira e Sebastião Drago Cabreira[3], a opor-se ao partido dos magistrados, liderado por Manuel Fernandes Tomás, com o apoio de Francisco de S. Luís, dado que os primeiros, que alcunhavam os segundos como os becas e os rábulas, tinham apenas como objetivos a expulsão de Beresford e dos oficiais ingleses, com o regresso do rei e a convocação das Côrtes à maneira tradicional[4].

Mas, mesmo antes do movimento se iniciar, já Portugal estava insanavelmente fracionado. Numa carta que a Junta do Porto dirigiu à regência, em 3 de setembro, reconhecia-se expressamente: V. Exas sabem que para cúmulo das nossas desgraças se haviam formado, e iam engrossando em Portugal, nessa própria cidade, na pátria da honra e da lealdade, três diversos partidos, que com aparente intuito de salvar a Nação, mas em realidade para salvarem seus particulares interesses, urdiam o indigno projecto, ou de nos entregarem a uma nação estranha (a espanhola), ou de nos manterem debaixo da vergonhosa tutela de outra (a inglesa), ou de derrubarem do trono o nosso augusto soberano, para lhe substituírem o chefe de uma ilustre casa portuguesa (a de Cadaval)[5].

A resistência dilatória dos governadores do reino

Refira-se que os governadores do reino, depois de tentarem o controlo militar da situação, despachando para Leiria uma força comandada pelo conde de Barbacena e nomeando Coutinho Póvoas para parlamentar com os homens da Junta do Norte, procuram  controlar politicamente a situação, com a convocatória de Cortes à maneira tradicional (29 de agosto), nomeando Manuel Borges Carneiro como secretário da comissão encarregada da convocatória.

Instalação das Juntas em Lisboa

Em 4 de outubro as juntas entraram em Lisboa. Dois dias depois, surgiu uma portaria da Junta Provisional Preparatória das Cortes solicitando de academias, homens doutos ou prudentes, quaisquer alvitres, lembranças ou conselhos que a pudessem guiar ou ajudar no seu desejo de acertar, base fundamental do seu trabalho.

A maioria das opiniões recebidas apontava para a convocação das Cortes à maneira antiga, isto é, para a reunião das mesmas pelos três estados, num estilo bem diverso do modelo espanhol da Constituição de Cádis de 1812.

Surgiu, entretanto, uma proposta conciliatória, o modelo subscrito pela maioria dos sócios da Academia das Ciências de Lisboa, datado de 21 de outubro, onde se previa um conjunto de 200 deputados, dos quais duas dezenas viriam do clero e trinta da nobreza, mas onde as votações seriam conjuntas, por voto individual e não por classes[6].

O modelo resultou do trabalho de uma comissão composta por Francisco Trigoso Aragão Morato, Sebastião Francisco Mendo Trigoso (irmão do primeiro), Joaquim José da Costa de Macedo, Bispo de Viseu (D. Francisco Alexandre Lobo), Miguel Marino Franzini, Francisco Nunes Franklim e Manuel José Maria da Costa e Sá, sendo relator o bispo de Viseu.

Tratava-se de uma terceira via que, conservando o que havia de essencial na primeira (o critério de representação da ordem tradicional dos três estados, reunidos separadamente), recolhesse as vantagens da segunda (o critério da representação pela população)[7].

A moda doceanista

Teve, contudo, mais força o mimetismo face a Cádis que outras facções fizeram adotar pela voz do Juiz do Povo que, em 25 de outubro exigiu que devia ser desprezada toda a ideia de uma convocação das Cortes da maneira antigamente praticada[8].

Em 29 de outubro, numa comunicação assinada pelos oficiais da guarnição de Lisboa, através do comandante Gaspar Teixeira, pressionavam-se as Juntas no sentido de ser adotado o método eleitoral estabelecido na Constituição de Cádis, quando se considerava que o voto expressado na representação do povo como seu próprio. No mesmo sentido se manifestava a maior parte da imprensa política que então começava a publicar-se.

Num Manifesto, datado de 31 de outubro, a Junta Provisional optava pelo sistema eleitoral da Constituição de Cádis, publicando em anexo umas instruções que devem regular as Eleições dos Deputados, que vão formar as cortes extraordinárias constituintes no ano de 1821. Curiosamente, só em 10 de novembro é que se publicava o anexo, contendo as instituições eleitorais.

A Martinhada

Eis que surgiu, então, o primeiro golpe de Estado da nova situação, a Martinhada, a pavorosa ou o embroglio de 11 de novembro, promovido pelo grupo militar dominante, onde se destacaram o referido Gaspar Teixeira, Sebastião Drago Cabreira, António da Silveira, o brigadeiro Joaquim Teles Jordão  e Bernardo Sá Nogueira[9].Um grupo que não estava unificado doutrinariamente, dado que se alguns adotavam o liberalismo exaltado, marcado pelo ritmo maçónico, já outros eram marcados pelo conservantismo militarista[10].

Aliás, entre os mais ativos estavam não só militares que hão-de ser comandantes miguelistas, como outros que tanto alinharão com os pedristas como com os setembristas. A única coisa que os unificava era a hostilidade ao governo das juntas, principalmente ao domínio dos magistrados[11].

O episódio era bem demonstrativo do facto da revolução ser essencialmente militar. Como reconheceu o vintista arrependido, Almeida Garrett[12], se o exército perdera a disciplina e não se podia contar com ele, eis que a revolução não podia deixar de ser militar, porque o exército tinha força, quando devia chamar-se povo e exército; fazer a revolução militar e civil; armar imediatamente o povo para que melhor se unissem assim, e mais respeito impusessem a estranhos[13].

Uma semana depois, novo manifesto da Junta já aceitava as bases eleitorais da Constituição de Cádis, embora rejeitando jurar o mesmo texto. No dia 22 eram emitidas Instruções para as Eleições dos Deputados às Cortes segundo o método estabelecido na Constituição Espanhola, e adotado para o Reino de Portugal, aceitando-se um sufrágio quase universal e indireto. Cada 600 fogos, representados pelos seus chefes, escolhiam um eleitor, dotado de virtudes e inteligência que elegeriam  deputados que deveriam ter a maior soma possível de conhecimentos científicos, firmeza de caráter, religião, amor da pátria, e meios honestos de subsistência[14].

Tradicionalistas e jacobinos publicaram então manifestos. Os primeiros apelavam ao voto nos que professassem a religião católica Fugi dos irreligiosos e escandalosos, ainda que vos digam que são sábios e instruídos. Os jacobinos  pediam Instrução e sabedoria são qualidades mui preciosas; pois é claro que um congresso composto só de homens probos e de firme carácter não desempenharia os altos destinos que vão ser objeto de suas tarefas. A Junta tentava ser neutral e preferia invocar os luminosos princípios  e a sábias e profundas bases.

As confusões e as rápidas mudanças de campo político hão-de ser o normal das anormalidades do processo demoliberal português. Entre aquilo que um dia se proclamou em momento de exaltação, por simples tática ou para poder obedecer-se a uma diretiva superior, da Igreja, da loja ou do próprio monarca, e aquilo que há-de ser a postura permanente de cada um, vai, por vezes uma longa distância. As circunstâncias mudavam mais rapidamente que as crenças, enquanto as obediências permaneciam, vencendo mudanças de regime, de governo ou de sinais ideológicos oficiais e oficiosos.

Trigoso que se assume como não liberal e não regenerador, mas antes como um moderado, tem, aliás, posições típicas dessa postura. Em 14 de fevereiro de 1821 assume-se contra a liberdade de imprensa. Em 15 de fevereiro, com 32 deputados, vota contra a extinção da censura prévia. Em seguida propõe que no texto constitucional, em vez da expressão a soberania reside originariamente em a Nação, surja a soberania reside essencialmente em a nação. Defende, com 26 deputados, a existência de duas câmaras. Com sete deputados, vota a favor do veto absoluto do rei, porque para evitar o despotismo Real, se caía no despotismo ainda pior do corpo legislativo[15].

Perspetivar o movimento de apoio às mudanças da segunda metade de 1820, reduzindo-o à força que acabou por sair vencedora de forma monista é continuarmos os vícios das interpretações retroativas segundo o modelo da história dos vencedores.

Como observa J. Sebastião da Silva Dias, o vintismo foi produto de uma coalizão de descontentamentos, com motivações e tipificações irredutíveis, que iam da direita marginalizada à esquerda irredenta, dos fidalgos transmontanos e beirões à inteligência radical de Lisboa.O mesmo autor considera, aliás, carecer de base científica a doutrina de que a revolta do Porto e a adesão subsequente das províncias foram obra dos liberais rousseauneanos ou afrancesados à 89.

Os tradicionalistas

Um dos principais esteios do movimento iniciado em agosto de 1820, seguindo o esquema de Oliveira Martins, era constituído pelo grupo dos homens da tradição, os quais  tinham como ideia as lendárias cortes de Lamego. Assumiam-se contra os militares ingleses e traziam na memória as dores libertacionistas da Guerra Peninsular.

Aliás, há militares que, depois de apoiarem o vintismo, depressa se bandeiam para o miguelismo. Entre os homens da tradição, para além do grupo militar, preocupado fundamentalmente com razões corporativas, visando o afastamento dos oficiais ingleses que lhes proibiam as promoções, esboçou-se um conjunto de personalidades que poderiam ser mobilizadas pelos modelos do antigo direito constitucional português, marcados pelo consensualismo pré-absolutista, como tinha sido delineado por António Ribeiro dos Santos.

Os jacobinos

Contudo, o processo vai acabar por ser protagonizado pela competição entre  os jacobinos, à maneira de Manuel Fernandes Tomás, grupo que copiava servilmente o panteísmo político da Constituinte, e com ela supunha que a revolução se efetua na sociedade, assim como as leis se votam nas assembleias, e  o partido do meio-termo, onde se destacou Palmela, tory, não wigh, num grupo que vai inspirar o futuro constitucionalismo, aristocraticamente concebido.

Os jacobinos eram patriotas, soberanistas, nomocratas, mas, como salienta Oliveira Martins, tinham as ideias, não tinham o país, já os homens da tradição, tinham o país, mas não tinham ideias.

O partido do meio-termo

Acabou por não ter força a hipótese do partido do meio-termo, que Oliveira Martins qualifica, muito justamente, como  o partido conservador. Uma terceira força, dominante entre os conselheiros de D. João VI, nomeadamente através de Silvestre Pinheiro Ferreira, que tinha nas Juntas, o estilo de Frei Francisco de São Luís e se expressou, em Lisboa, através do esboço constitucional elaborado pela Academia das Ciências de Lisboa. Com efeito, esta força moderada acabou por não conseguir estabelecer a ponte entre os extremismos que levaram à guerra civil.

Confronto entre tradicionalistas e radicais

Os desencontros entre estes dois grupos levaram, aliás, a sucessivas contradições. A certa altura, principalmente a partir do grupo militar de Lisboa, mais maçonicamente conformado, sai uma fação radical e jacobina que invoca o seguidismo face à revolução de Cádis e, nessa pressão, até mobiliza elementos adeptos do iberismo, enredando os militares conservadores do grupo da tradição, numa golpada corporativa contra os magistrados, como aconteceu na martinhada. Por outras palavras, miguelistas e setembristas avant la lettre iam impedir o consenso daquilo que poderia ter sido uma solução cartista, reformadora, que impediria tanto a solução revolucionária como o desespero do regresso ao absolutismo.

Vitória do partido do Ramalhão

Segundo Silva Dias, o farol dos moderados estava sobretudo no constitucionalismo britânico. Acontece que os mesmos deixaram de ter influência no processo de conformação do regime vintista, a partir de meados de 1822, e quase não tiveram representação nas Corte ordinárias eleitas no final desse mesmo ano, dado que foram substituídos por uma minoria contrarrevolucionária, próxima da fação apostólica de D. Carlota Joaquina, então liderada por José Acúrsio das Neves, e incapaz de conciliação com os moderados. Por outras palavras, o partido da Bemposta, dos conselheiros de D. João VI, foi substituído pelo partido do Ramalhão.

A moderação jacobina

Do mesmo modo, entre os chamados jacobinos, mesmo dentro do grupo corporativo dos magistrados, havia bastantes diferenças entre a personalidade de um Manuel Borges Carneiro e a de um Manuel Fernandes Tomás. O segundo, tendia para moderação e admitia a hipótese de criação de uma segunda câmara, com atribuição ao rei de um veto absoluto, chegando mesmo a proclamar, na sessão de 15 de fevereiro de 1821: eu sou português e estou aqui para fazer uma constituição portuguesa e não espanhola!

O radicalismo de Borges Carneiro

Já Borges Carneiro se opunha terminantemente tanto ao direito de veto como a uma segunda câmara. Temia os jesuítas, por adicionarem à augusta religião do nosso país … superstições e embustes e as prepotências dos cortesãos, considerando-os como uma alcateia de lobos carniceiros que rodeiam o trono e, contra a segunda câmara, dizia que esta seria sempre lisonjeira do poder executivo e que adotar tal medida era o mesmo que pegar no estribo ao governo para que montasse o Congresso.

O perfil nomocrático deste deputado levou-o mesmo a defender a supressão de vários órgãos da administração tradicional, nomeadamente o Desembargo do Paço, considerando que o mesmo era uma mola ferrugenta e que uma máquina nova não podia andar com rodas velhas. Um argumento, que vai servir para os mais radicais praticarem uma política de saneamento de altos quadros da administração pública, repetindo-se o ambiente persecutório do pombalismo e da viradeira e dando-se argumentos para as futuras purgas anti vintistas e anti liberais.

Confronto entre gradualistas e radicais

Para Silva Dias há aqui uma diferença fundamental entre os gradualistas e os radicais, porque se os primeiros tiveram como paradigma a revolução de Cádis, já os segundos seguiram o modelo francês da época da Convenção. Contudo, os mesmos gradualistas, depois da martinhada, teriam sido obrigados a praticar uma tática de neutralização – mais ainda: de anulação – dos moderados, na esperança de herdar as suas bases, na realidade, porém, atirando-os para fora do regime e, com o tempo, para os braços da contrarrevolução.

O começo do facciosismo

Os vintistas, cada vez mais radicais, chamavam-se a si próprios constitucionais e patriotas, enquanto os adversários, cada vez mais apostólicos, os iam qualificando como pedreiros-livres, empenados, republicanos e jacobinos. Mas os vintistas replicaram e deram aos adversários os títulos de corcundas, a designação mais habitual, equivalendo aos ultras dos franceses e ao servis dos espanhóis, e de toupeiras.

O facciosismo português começou então a utilizar nomes de guerra. Mesmo aparentes designações neutras, como a de absolutistas contra liberais, obedece a uma prévia classificação ideológica que favorece a história dos vencedores e atribui uma designação pejorativa aos vencidos. Primeiro porque unifica como liberais, muitos grupos que entre si se dividiam; segundo, porque utiliza para os segundos um nome que não corresponde ao conteúdo, dado que, por exemplo, a maior parte do grupo tradicionalista, defensor do consensualismo e uma das principais vítimas do pombalismo, sempre contrário ao absolutismo, nunca deixou de secundar os miguelistas.

Com efeito, nem todo o país da tradição afinava pelo timbre absolutista. Muitos havia como o Frei Dinis retratado nas Viagens na Minha Terra de Almeida Garrett: o despotismo detestava-o, como nenhum liberal é capaz de o aborrecer; mas as teorias filosóficas dos liberais escarneci-as, como absurdas; rejeitava-as como perversoras de toda a ideia sã, de todo o sentimento justo, de toda a bondade praticável. Segundo os seus princípios, o poder de homem sobre homem era usurpação sempre e de qualquer modo que fosse constituído.

A partir de 1826, os adversários do cartismo assumiram-se como apostólicos e chamaram aos cartistas, ora pedreiros-livres, ora brasileiros. Os miguelistas, a partir de 1828, qualificaram os pedristas como malhados, invocando para si  as categorias de legitimistas e realistas. Depois de 1834, os pedristas chamaram aos adversários de esquerda exaltados, enquanto estes, gostavam de ver-se como patriotas, insultando os primeiros como chamorros e devoristas.A partir de então estabeleceu-se um profundo divórcio entre o país das realidades e aquele grupo dominante no país intelectual que criou o nominalismo proveniente do poder supremo.

A profunda tradição libertacionista, da arraia-miúda de 1383-1385, do sebastianismo dos manuelinhos de Évora e da tradição reinventada das Cortes de Lamego, que sustentou o Primeiro de dezembro, acabou por ser usurpada pelas fações da direita e da esquerda que se instalaram no centro político.

À esquerda, as fações jacobinas chegaram a pedir a Junot um rei da família de Napoleão. À direita, o congreganismo dito apostólico sucumbiu ao encanto madrileno da Santa Aliança. O nacionalismo populista ficou sem causa e sem liderança e fomos arrastados para o desespero de guerras civis armadas e para posteriores pazes, onde os vencedores fizeram orgias de confiscos e vindictas, enquanto continuaram as guerras civis ideológicas.

Convém, no entanto, salientar que a revogação da ordem vintista conduziu, não à vitória da fação apostólica do absolutismo, mas a um frustrado regime do meio-termo dominado pelos conselheiros moderados de D. João VI, como Palmela, Mouzinho da Silveira e Silvestre Pinheiro Ferreira, os quais pretendiam afastar os extremismos do vintismo e do absolutismo, através de uma solução conciliatória e moderantista que se corporizasse numa Carta Constitucional, ao estilo da Carta francesa de 1815, capaz de assentar nas raízes das nossas leis fundamentais, anteriores ao despotismo ministerial, conforme sempre o haviam defendido os tradicionalistas anti absolutistas apoiantes e participantes da Revolução de 1820.

Esses que, conforme Oliveira Martins, tinham o país, mas não tinham as ideias práticas e cuja liquidação levou ao drama do afastamento da inteligência relativamente à honra.

Contudo, a chamada balança da Europa pós-napoleónica da Santa Aliança impediu a solução moderada e a própria diplomacia francesa do regime da restauração não permitiu que Portugal adotasse uma solução constitucional semelhante àquela que então vigorava em Paris, temendo o mau exemplo que poderíamos dar à Espanha do então restaurado absolutismo. Aliás, as influências estrangeiras marcaram, entre nós, o aparecimento das facções.

Juntas revolucionárias surgidas da movimentação de 20 de Agosto de 1820 (Porto) e 13 de Setembro (Lisboa)

  • Junta Provisional do Governo Supremo do Reino[16].
  • Regência do reino nomeada pelas Cortes em 29 de Janeiro de 1821[17].
  • Primeiro ministério constitucional de D. João VI, desde 3 de Julho de 1821[18].
  • Segundo ministério constitucional de D. João VI[19].

Vintismo – Atores

  • Andrada Machado e Silva, António Carlos Ribeiro de
  • Andrada Machado e Silva, José Bonifácio de  
  • Araújo, José Maria Xavier de 
  • Avilez Juzarte de Sousa Tavares de Campos, Jorge  
  • Azedo, Matias José Dias 
  • Bastos, José Joaquim Rodrigues de 
  • Borges, José Ferreira
  • Braamcamp de Almeida Castelo Branco 
  • Cabreira, Sebastião Drago Valente de Brito 
  • Carmo, Bento Pereira do
  • Castro, D. Frei Vicente da Soledade e. 
  • Castro, Filipe Ferreira de Araújo e 
  • Coelho, Francisco Duarte 
  • Costa, José Inácio da
  • Costa, José Maria Neves da
  • Deus Sousa Coutinho, Faustino da Madre de 
  • Faca, Zacarias Alves
  • Felgueiras, João Baptista 
  • Fonseca, Manuel da Silveira Pinto da 
  • França, Luís Paulino de Oliveira Pinto da 
  • Galvão, Joaquim de Santo Agostinho Brito França 
  • Jordão, Joaquim Teles 
  • Macedo, Joaquim José da Costa 
  • Molelos, 1º Barão 
  • Morais, Aurélio José de
  • Póvoas, Álvaro Xavier da Fonseca Coutinho e 
  • Rangel, José Máximo Pinto da Fonseca 
  • Sampaio, Conde de
  • São Luís, Frei Francisco de 
  • Sepúlveda, Bernardo Correia de Castro e 
  • Sotto Mayor, João da Cunha 
  • Teixeira de Magalhães e Lacerda, Gaspar
  • Tomás, Manuel Fernandes 

[1] II, II, p. 819

[2] A junta de governo ficou presidida pelo principal decano Gomes Freire de Andrade (da junta de Lisboa), tendo como vice-presidente António da Silveira, e como deputados o conde de Penafiel, Hermano Braamcamp, Manuel Fernandes Tomás, frei Francisco de São Luís e Ferreira de Moura. Assistiam-na os ministros ou encarregados de negócios para o reino e a fazenda (Manuel Fernandes Tomás, com os ajudantes Ferreira Borges e Silva Carvalho), para os negócios estrangeiros, Hermano Braamcamp (ajudado por Roque Ribeiro) e para a guerra e a marinha, tenente-general Matias de Azevedo (ajudado por Bernardo Sepúlveda).

[3] Os exércitos da junta do Porto foram, numa primeira fase, divididos entre Gaspar Teixeira, que marchou para Trás-os-Montes e as Beiras, e Sebastião Cabreira, que marchou para Lisboa. Numa segunda fase, António da Silveira ficou a comandar o exército do norte e Bernardo Sepúlveda assumiu o comando do exército do sul que marchou para Lisboa.

[4] Segundo narra Xavier de Araújo, em revelações e memórias para a história da revolução de 1820, ter-se-á gerado, na descida para o Porto, em Alcobaça, um conflito entre Cabreira e Silva Carvalho, com o primeiro a querer partir imediatamente para Lisboa, convocando o povo e o juiz da casa dos vinte e quatro, sem se importar com a sorte da junta do Porto. Os dois pediram que frei Francisco de São Luís arbitrasse a disputa e este convocou então o coronel Bernardo Sepúlveda, o qual foi adepto de se acabarem as discórdias, marchando todos juntos até Lisboa, onde se convocariam cortes, a quem se entregaria o governo do reino.

[5] Damião Peres, p. 53

[6] Damião Peres, p. 66.

[7] Morato, p. 102 ss

[8] Damião Peres, p. 66

[9] Os golpistas reivindicavam a adoção imediata da constituição espanhola, a chefia militar de Gaspar Teixeira, futuro miguelista, e o afastamento de Manuel Fernandes Tomás, frei Francisco de S. Luís e José da Silva Carvalho. No dia 17, face à pressão dos meios maçónicos, estes três últimos retomam o poder e desterram Gaspar Teixeira, António da Silveira e Sá Nogueira. Se não é adotada a constituição de Cádis, adotam o método eleitoral da mesma.

[10] Damião Peres, p. 70

[11] António da Silveira será nomeado visconde de Canelas por D. Miguel; Gaspar Teixeira, depois visconde de Peso da Régua, será marechal de campo de D. Miguel; Joaquim Teles Jordão, que fizera a revolução liberal em Braga, será governador da Torre de S. Julião da Barra. Outros futuros miguelistas serão recrutados entre alguns exaltados vintistas, como João Gonçalves Mexia, redator do periódico o militar constitucional; o barão de Molelos; José Joaquim Rodrigues de Bastos era secretário das cortes; o visconde de Santarém; João Baptista Felgueiras foi secretário das cortes; António Joaquim Gouveia Pinto; José Sebastião de Saldanha; Joaquim Pedro Gomes de Oliveira será conselheiro de estado com D. Miguel. Ver Mário Domingues, Liberais e miguelistas, pp. 455 ss.

[12] Portugal na balança da Europa

[13] Idem, p. 72

[14] Tomás Ribeiro, História da legislação liberal portuguesa, I, p. 63

[15] Trigoso, p. 114. Apesar de tudo, Trigoso foi eleito presidente das cortes em 26 de outubro de 1821. Contudo, quando concorreu em 4 de maio de 1822 para a direção da sociedade promotora da indústria nacional, nem sequer foi eleito vice-presidente. A presidência coube a Cândido José Xavier e a vice-presidência ao barão de Sobral. Contudo, a respetiva postura foi particularmente criticada pelos radicais, nomeadamente pelo seu antigo aluno Almeida Garrett (p. 154).

[16] Presidência do conde de Sampaio e tendo como vogais: frei Francisco de São Luís, José da Silva Carvalho, João da Cunha Sotto Mayor, marquês de Castelo Melhor (alegou incapacidade física e não assumiu o cargo). Os secretários do despacho, ou ministros, eram: Fernando Luís Pereira de Sousa Barradas (nos assuntos do reino), Francisco Duarte Coelho (nos assuntos da fazenda), Anselmo José Braamcamp de Almeida Castelo Branco (nos estrangeiros), Francisco Maximiliano de Sousa (na marinha), marechal António Teixeira Rebelo (guerra).

[18] Depois de extinta a regência, D. João VI, em 4 de julho de 1821, nomeia o seguinte governo: Silvestre Pinheiro Ferreira (reino e guerra); Inácio da Costa Quintela (justiça); Joaquim José Monteiro Torres (marinha); conde da Lousã que estava no Brasil (presidência do real erário, a fazenda); António Teixeira Rebelo na guerra; conde de barbacena nos estrangeiros. Rei escolhe um conselho de estado, na tríplice lista apresentada pelas cortes: conde de Sampaio, conde de Penafiel, José Maria Dantas Pereira, Joaquim Pedro Gomes de Oliveira, bispo de Viseu, João da Cunha Souto Maior, João António Ferreira de Mouraem. 29 de Julho de 1821: Silvestre Pinheiro Ferreira substitui o conde de Barbacena nos estrangeiros.

[19] Filipe Ferreira de Araújo e Castro no reino; José da Silva Carvalho na justiça e segurança; Inácio da Costa Quintela na fazenda; Joaquim José Monteiro Torres na marinha; Manuel Inácio Martins Pamplona Corte-Real na guerra (até 13 de outubro de 1821, por ter assumido as funções de deputado); Silvestre Pinheiro Ferreira nos estrangeiros. Em 13 de outubro de 1821: Cândido José Xavier substitui Manuel Inácio Martins Pamplona Corte-Real na pasta da guerra. Havia um conselho de estado estabelecido pelas cortes, onde não participavam os ministros.

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