Tratado de Roma
1957
SOBRE
O Tratado de Roma tanto é um recuo face aos projetos da CED e da Comunidade Política Europeia como até, em termos de desenvolvimentos institucionais, chega a ser menos supranacional e funcionalista que o próprio Tratado de Paris instituidor da CECA. Com efeito, as novas instituições europeias são obrigadas à moderação estratégica, a uma redução nos ímpetos de certo integrismo supranacional, como haviam sido assumidos pela Bélgica e pela Holanda.
Em vez de uma Alta Autoridade, um órgão até nominalmente dominante, entendido como centro da decisão, surge uma Comissão que, pela própria designação, constitui um órgão de carácter subordinado, onde o próprio presidente deixa de ser cooptado e passa a ser escolhido diretamente pelos representantes dos Estados membros, através do Conselho. Isto é, em vez da acentuação federalista, opta-se por um estilo mais confederacionista da liderança.
Em março de 1957, o móbil político primordial era uma união cada vez mais estreita entre os povos europeus, para a defesa da paz e da liberdade e apelando para os outros povos da Europa que partilham dos seus ideais para que se associem aos seus esforços. Ideais que, através de uma Declaração Comum da Assembleia, do Conselho e da Comissão, de 5 de abril de 1977, foi sublinhada quando se acrescentou o respeito dos direitos fundamentais consagrados designadamente nas Constituições dos Estados membros assim como na Convenção europeia sobre a defesa dos direitos do homem e das liberdades fundamentais.
As novas comunidades visavam assegurar, mediante uma ação comum, o progresso económico e social dos países eliminando as barreiras que dividem a Europa, tendo como objetivo essencial a melhoria constante das condições de vida e de trabalho dos povos. Nos termos do artigo 2º do Tratado CEE a missão desta era a de promover, através do estabelecimento de um mercado comum e da aproximação progressiva das políticas económicas dos Estados membros, um desenvolvimento harmonioso das atividades económicas no conjunto da Comunidade, uma expansão contínua e equilibrada, uma estabilidade acrescida, uma subida acelerada do nível de vida e relações mais estreitas entre os Estados que a compõem.
O Tratado de Roma, marcado pelo fracasso da CED, é mais uma vez inspirado por Jean Monnet que obrigou o chamado integrismo supranacional de Spaak a entrar na via da moderação. Assim, em vez de uma Alta Autoridade, aparece uma Comissão, onde esta deixa de ser um centro de decisão com o monopólio da decisão: on substitue un organe subordonné à un organe dominant, un organe qu’on veut abaisser à un organe qu’on voulait grandir. O próprio presidente da Comissão passa a ser escolhido diretamente pelo Conselho, isto é, pelos Estados, deixando a escolha de ser pertença exclusiva do colégio dos comissários, como acontecia na CECA.
O órgão fundamental passa pois a ser o Conselho, o que constituiria, segundo Duverger, la revanche du conféderalisme qu’incarne le Conseil sur le féderalisme qui définissait la Haute Autorité. Conforme Hallstein vem a reconhecer, neste sistema podemos reconhecer claramente as características de uma constituição federal; uma estrutura que depende da cooperação entre a entidade mais elevada e os Estados constituintes. Em 10 de julho de 1957 já a Assembleia Nacional francesa ratificava o Tratado de Roma, sem dificuldades, nomeadamente pela circunstância do grupo de deputados gaullistas, face aos resultados eleitorais, ter passado de 121 para 21 membros.
Mesmo anteriores opositores ao tratado de CED, como o relator do parecer parlamentar, o socialista Alain Savary, saudavam a CEE e a CEEA, consideradas como meios para a obtenção do desenvolvimento económico. No entanto, o restrito grupo gaullista decidiu votar contra a Europa de Jean Monnet. Agrava-se assim a ambiguidade institucional do projeto europeu, agora acompanhada pelo afrouxamento do sonho e pela quebra da unidade metodológica, pelo que se vão desenvolvendo os métodos furtivos da eurocracia, dessa Europa confidencial, cada vez mais marcada pelo modelo da Razão de Estado.
A partir do Tratado de Roma, a integração europeia em vez de ser sector por sector e passa a ser plurifuncional, isto é, aumenta em extensão, procurando abranger agora toda a economia. A nova palavra mágica, capaz de evitar as tradicionais disputas entre os cultores da federação e os invocadores da confederação, chama-se construção europeia. Se se conserva o modelo das integrações sectoriais, agora alargadas à política agrícola e aos transportes, eis que, sob o nome de mercado comum, já se apela para uma fusão progressiva do conjunto das economias nacionais, em nome do princípio da liberdade de circulação de pessoas, mercadorias, serviços e capitais. Isto é, a largueza quantitativa é acompanhada pela menor intensidade funcional, dado que se abandona a ideia de pool, de partilha de poderes soberanos através de uma autoridade supranacional. Ficam as solidariedades de facto e as intenções não declaradas. Fica todo um espaço praeter legem cujo vazio passa a ser preenchido pelo florentinismo da eurocracia. O que levava Spaak a considerar que o mercado comum era um estádio no caminho para a união política, ou Hallstein a considerar que não estamos integrando economias, estamos integrando políticas.
Deste modo, eis que a integração para o mercado comum ganha em pragmatismo aquilo que perde em sonho. Avança economicamente, mas restringe-se politicamente. Com o desaparecimento do protagonismo dos visionários programáticos do imediato pós-guerra, eis que, aos políticos, sucedem os tecnocratas.
Chegava o tempo do fim das ideologias, como acontece sempre que, em qualquer construção, se entra numa fase de acabamentos, dado que deixam de ser fundamentais os esforços dos que lançam os alicerces ou as visões dos que os esboçam e os esforços planeamentistras dos que os arquitetam. A própria dialética do confronto entre democratas-cristãos e sociais-democratas cede lugar a lógicas de coligações, marcadas pelo pragmatismo e pelo um inevitável utilitarismo, de que se aproveitam associações económicas e financeiras. A Europa deixa de ser dos sonhadores da Europa e passa a ser dos tecnocratas e dos bancoburocratas.
Os partidos europeus deixam também de ser partidos de militantes e passam a partidos de eleitores, a esquemas de catch all, muscularmente interclassistas, vivendo constantemente os dramas populistas de um Estado Espetáculo.