Thomas Hobbes (1588-1679)

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Nasceu em Malmesbury, em 1588, ano da derrota da Invencível Armada. Nasceu, aliás, antes do tempo, no dia 5 de abril, quando a mãe ouviu notícias sobre a aproximação da armada de Filipe I. O que o levará dizer “o medo e eu somos irmãos gémeos“.

Filho de um clérigo, acusado de agressão a um colega à porta da Igreja que, por esse motivo, abandonou o lar. Foi educado por um tio. Landry chama-lhe “um individualista que tem medo”. Estuda em Oxford.

A partir de 1602 torna-se precetor da família Cavendish/Devonshire. Nesta função conhece Francis Bacon, de quem chega a ser secretário. Graças a tal atividade, visita Florença e Paris.

Estava em Paris em 1610, no momento do assassinato de Henrique IV. A partir de 1634 frequenta nessa cidade o círculo do Abade Gassendi, no qual paticipa Descartes. Mas só em 1640 é que contacta com o mesmo Descartes, com quem não tem boas relações ( em 1646 chegou a publicar A Minute or First Draught of the Optiques, onde contesta os escritos cartesianos sobre a óptica). Em 1636, em Florença, contacta com Galileu. Vai para o exílio parisiense em 1640. Era adepto dos Stuarts.

Em 1646 torna-se professor de matemática do futuro rei Carlos II. Em 1649 é assassinado Carlos I. Em 1651, Cromwell toma o poder (no fim deste ano Hobbes regressa à Inglaterra, depois de 11 anos em Paris). De referir que o Leviathan ofende os círculos de Carlos II, pela perspetiva religiosa. De regresso a Londres Hobbes passa a apoiar Cromwell. Carlos II dá-lhe depois uma pensão.

  • The Elements of Law, Natural and Politic, 1640. Obra escrita em 1640, mas apenas publicada em 1650. Ver a trad. fr. Les Éléments du Droit Naturel et Politique, Lyon, Éditions l’Hermes

  • Elementae Philosophiae, em três partes: De CorporeDe HomineDe Cive, Paris, 1642-1658. Ver a trad. fr. de Samuel Sorbière, Le Citoyen ou les Fondements de la Politique, Paris, Flammarion, 1982. De Cive (primeira edição em latim de 1642 e primeira edição em inglês de 1651).
  • Leviathan, or the Matter, Forme, & Power of a Common-Wealth Ecclesiastical and Civill, 1651. Ver a trad. fr. de F. Tricaud, Paris, Sirey, 1971. Na versão latina, o título é Leviathan, sive de materia forma et potestate curtatis ecclesiasticae et civilis, Amsterdão, 1668. A obra está dividida em quatro partes (do homem, da comunidade, ou common-wealth, da comunidade cristã e do reino das trevas); aí se considera o Poder comopresent means to obtain some future apparent Good, salientando-se que o maior dos poderes humanos é compounded of the Powers of most men, united by consent, in one person.
  • Behemot or the Long Parliament, 1679. Ver a edição Universaity of Chicago Press, 1990
  • J. VIALATOUX, La Cité de Hobbes. Théorie de l’État Totalitaire. Essai sur la Conception Naturaliste de la Civilization, Paris, 1935
  • LEO STRAUSS, The Political Philosophy of Thomas Hobbes. Its Basis and genesis, Oxford, 1936 (trad. ing.)
  • RAYMOND POLIN, Politique et Philosophie chez Thomas Hobbes, Paris, PUF, 1953; Id., hobbes, Dieu et les Hommes, Paris, PUF, 1981;
  • C.B. MACPHERSON, The Political Theory of Possessive Individualism – Hobbes to Locke, Oxford University Press, 1962
  • MICHAEL OAKESHOT, Hobbes, on Civil Association, Oxford, Basil Blackwell, 1975
  • PIERRE MANENT, in Dictionnaire des Oeuvres Politiques 343-354; Id.,Naissance de la Politique Moderne. Machiavel, Hobbes, Rousseau, Paris, Payot, 1977
  • SIMONE GOYARD-FABRE, Montesquieu, Adversaire de Hobbes, Paris, Lettres Modernes, 1980;
  • F. RANGEON, Hobbes. État et Droit, Paris, Hallier, Albin Michel, 1981
  • OTTO VON GIERKE, Natural Law and the Theory of Society. 1500 to 1800, trad. ingl de Ernest Barker., Cambridge, Cambridge University Press, 1938, pp. 37, 41, 44, 51, 60-61, 79-84, 97, 101, 106, 108, 112, 115, 116, 118, 136, 138, 139, 141, 143, 164, 169, 170, 181
  • JOSÉ ADELINO MALTEZ, Ensaio sobre o Problema do Estado, II, pp. 119-124;Princípios de Ciência Política, pp. 26, 28, 38, 77, 78, 120, 123, 128, 184, 195, 201, 210, 211, 212, 213, 214, 215, 216, 235, 256, 289, 290, 292, 300, 342, 343, 358, 372, 380, 381, 461, 482, 483, 486, 488
  • ADRIANO MOREIRA, Ciência Política, pp. 16, 23, 24, 69, 73, 80, 83, 133, 135, 238, 240, 249, 325, 326, 389, 425
  • CABRAL DE MONCADA, Filosofia do Direito e do Estado, I, pp. 165–182
  • DIDIER BOUTET, Vers l’État de Droit, 119-123
  • JEAN-JACQUES CHEVALIER, História do Pensamento Político, Tomo I, Cap. V Thomas Hobbes ou o Individualismo Autoritário, pp. 357-375
  • MARCEL PRÉLOT, As Doutrinas Políticas, II 256-266
  • UMBERTO CERRONI, O Pensamento Político, III, pp. 121-145
  • ANTONIO TRUYOL Y SERRA, Historia de la Filosofia del Derecho y del Estado. 2- Del Renacimiento a Kant, Madrid, Alianza Universidad, 1982, pp. 169 ss.
  • FELICE BATTAGLIA, Curso de Filosofia del Derecho, trad. cast. de Francisco Elias Tejada e Pablo Lucas Verdú, Madrid, Reus, 1951, I, pp. 223 ss.
  • WALTER THEIMER, História das Ideias Políticas, trad. port., pp. 108 ss.
  • ALEXANDRE FRADIQUE MORUJÃO in Logos, 2, pp. 1161-1165

Todos os grandes autores do passado são os que precursores de tudo. Maquiavel inventou o Principe. Hobbes fez de cada individuo um Principe. Dele deriva tanto a modernidade do individualismo, como a modernidade do marxismo. O homem lobo do homem, as classes lobas umas das outras. Uns reclamam-no como precursor do totalitarismo, outros da teocracia. Tudo é verdade. Todos os caminhos da modernidade passam por Maquiavel, Bodin e Hobbes. Nem todos vão passar por Espinosa, Locke e Montesquieu. Todos voltam a cruzar-se em Rousseau e em Hegel. Nem todos voltam a passar por Kant. Uns juntam, outros separam. Uns retornam, outros tentam passar além de. Uns que morrem outros que vão renascendo. Na história não há caixotes de lixo, nada se perde, tudo se transforma, só é novo aquilo que se esqueceu, só é moda o que passa de moda, o moderno já foi antigo de que o antigo há-de ser moderno. O problema está nos que escrevem antes do tempo, os que não sendo oportunistas, apenas vêm depois de mortos a ser oportunos.

Dar a césar o que é de César e a Deus o que é de Deus. Uns dirão que a César pertence tudo (laicismo), outros que a Deus pertence tudo (providencialismo).

O problema sempre esteve no intermediário.

Depois de Hobbes, tentemos três vias: a perspetiva luterana de Althusius. A perspetiva católica de Suarez. A perspetiva judaico-panteísta de Espinosa. A perspetiva liberal-anglicana de Locke. 

O Deus mortal

lth ou a Civitas, chamemos-lhe República ou o Estado, é “um deus mortal” “um homem artificial” criado pela “arte do homem” que “imita a arte pela qual Deus criou o mundo e o governa“. Uma multidão de homens unidos numa só Pessoa que os representa a todos. Uma teologia civil para substituir o direito natural: “porque pela arte é criado aquele grande Leviatão a que se chama Commonwealth, ou Civitas… E no qual a soberania é uma alma artificial, pois dá vida e movimento ao corpo inteiro; os magistrados e outros funcionários judiciais ou executivos , juntas artificiais; a recompensa e o castigo ( pelos quais, ligados ao trono da soberania, todas as juntas e membros são levados a cumprir o seu dever) são os nervos, que fazem o mesmo no corpo natural; a riqueza e a prosperidade de todos os membros individuais são aforça; Salus populi ( a segurança do povo) é o seu objetivo; os conselheiros…. são a memória; a justiça e as leis, uma razão e uma vontade artificiais; a concórdia é a saúde a sedição é a doença; e a guerra civil é a morte

Leviathan

O monstro marinho de que nos fala o Livro de Job, por oposição ao monstro terrestre, o Behemot. O Leviatão tem na mão direita uma espada e na esquerda um báculo episcopal.

O Corpo e a Alma

A sociedade civil é um corpo de que o soberano é a alma. É o soberano que dá movimento ao corpo, tal como “através da alma, o homem possui uma vontade

Homem não é animal naturalmente político

A sociedade não é um produto da necessidade, mas de circunstâncias contingentes.

No estado de natureza (status naturalis) cada um pode fazer o que julgar útil para a respetiva conservação.

Cada um tem tanto direito até onde chega o respetivo poder. No estado de natureza, a vida dos homens é “solitária, miserável, suja (nasty), animal (brutish) e breve (short)“. O estado de natureza é o estado da psicologia egotista de qualquer homem. De corpos que se atraem e repelem, não por causa de Deus e do Diabo, mas pelas vontade de cada um. O que verdadeiramente modo os homens é o medo da morte, o desejo de conservação a luta pela vida. A razão é filha da necessidade. A medida do direito (mensura juris) é a utilidade.

Movimento

Explica a moral, a política e a física a partir do movimento e da causalidade mecânica. A imbricação das causas e dos efeitos é um encadeamentro de movimentos. O mundo é um mecanismo. O homem individual um mecanismo. O começo do movimento é o conatus – o esforço em direção a alguma coisa ou para além de alguma coisa. Daqui vem a noção de bem e de mal.

Bem e Mal

Cada homem chama bom ao que é agradável para si próprio e mau ao que o desgosta. Dessa maneira, como cada homem difere do seu semelhante pelo seu temperamento ou pelo seu modo de ser, também dele difere na distinção do bem e do mal

“O incansável desejo de poder”

Considera a vida como uma corrida, cujo objetivo é “deixar continuamente para trás aquele que estava à frente é felicidade – abandonar a corrida é morrer”. A felicidade não consiste “em ter tido êxito, mas em ter êxito”. É o teórico do homem de sucesso e não dos vencidos da vida. Tem razão quem vence e não a lógica pessoana, segundo a qual vencer é ser vencido. Como diz Adriano Moreira, com Hobbes, “o que triunfa é sempre aquele que devia triunfar” (p. 70). Introduz no liberalismo a ideia de competição e de conflito de interesses individuais, com a consequente perspectiva contratual do poder (AM 238)

Pessimismo

Mesmo em regime de paz civil o que move os homens é o amor próprio, a vaidade, a inveja, a vã glória de mandar, o desejo de fazer reconhecer a sua superioridade relativamente aos seu vizinho

Pacto Social

O pacto social que se traduz numa alienação de direitos subjetivos contrai-se por utilidade ou por ambição. Cada um contrata com cada outra para renunciar ao respetivo direito ilimitado. A única garantia do contrato é o castigo que deve sancionar qualquer violador do contrato

Juridicismo

Só quando os homens abandonam o estado de natureza é surge o Direito e o Estado é que surge a noção do meu e do teu

Segurança

O Estado existe para a segurança dos indivíduos, dos particulares. Onde não há República existe “uma guerra perpétua de cada homem contra o próximo: tudo pertence, portanto, àquele que obtiver e o conservar à força

Homo Hominis Lupum

O homem é lobo do homem dado haver uma bellum omnium contra omnes. Pascal “todos os homens odeiam-se naturalmente uns aos outros“. Mas o homem é um lobo do homem que se torna Deus para outros homens

Salus Populi

O fim de cada república é o salus populi. O meio, as convenções, o pacto social.

Força

A comunidade é delegação da força. É sublimação da força individual numa força supra-indidvidual. O indivíduo tem potentia. E é destes poderes que vai surgir a potestas do Estado (o Poder), o poder soberano.

Utilitarismo

A medida do direito é a utilidade.

Hedonismo

O homem é um ser que procura realizar com menor custo aquilo que considera o seu interesse (AM 83). Nele assenta aquela perspetiva racionalista que procura explicar o comportamento em termos de objetivos selecionados pelos agentes

Razão

A razão é uma dedução, uma construção, uma técnica. “A razão nada mais é do que cálculo“. A razão é cálculo porque é adição ou subtração de consequências. A razão é um cálculo de consequências a que cada um se entrega. Isto é, como reconhece Oakeshott , a razão deixa de ser a ideia platonica e cristã “a divina iluminação do espírito que une o homem a Deus”. A razão é filha da necessidade. Ter razão é atuar com razoabilidade.

Concepção de Ciência

Para Hobbes toda a ciência deve começar com definições claras tendo sobretudo em vista o sentido das palavras a utilizar (AM p. 73).

Liberdade

A liberdade é “a ausência de obstáculos externos“.

Soberania

O soberano é aquele para quem eu transmito os meus direitos ilimitados. Logo tem direitos ilimitados

Autoriza essa pessoa e abandono-lhe o meu direito de me governar a mim mesmo, com a condição de que tu também abandones o teu direito e que autorizes todas as suas acções da mesma maneira” (L)

Assim, porque fui eu que transmiti ao soberano os meus direitos ilimitados, eu sou o autor de todos os atos do meu soberano. O meu soberano é o meu Representante.

O corpo político é portanto uma realidade artificial, uma realidade que me é exterior. O indivíduo não tem dentro de si nenhuma dimensão social.

A maior força e a mais alta autoridade humana

Tem como sinónimos “comando” e “domínio supremo

É o “poder e direito de comandar” e “consiste no facto de cada um dos cidadãos transferir todas as suas forças e poderes (potentiae) para aquele indivíduo ou para aquela assembleia

não significa mais do que a renúncia ao direito de opor resistência

Holismo

O corpo político não é concórdia das discórdias, não é unidade da diversidade imposta por um bem comum, por um fim comum.

Os indivíduos são átomos que apenas encontram a unidade política fora deles mesmos, no Soberano, no representante.

Essa ordem artificial tem pois unidade absoluta. é algo de artificial, de construído pela atividade do homem.

A multidão transforma-se numa Pessoa Civil que tem um Representante.

Não há concórdia nem consenso. Não interessa o fim da polis, a procura do melhor regime e da boa sociedade. Interessa sim saber a quem devemos obedecer

Constituição

Aquela lei que uma vez dispensada implica a dissolução do corpo político (AM, 135).

Soberano cristão ou a águia de duas cabeças

O soberano hobbesiano é ao mesmo tempo chefe temporal e chefe religioso. É que a Igreja e o estado são compostas pelas mesmas pessoas cristãs, unidas numa Pessoa Civil, num Representante. O soberano tem a espada e o báculo. No soberano cristão o direito canónico e o direito civil são indivisíveis.

O soberano tem “toda a espécie de poder que pode ser conferido ao homem para governo dos actos exteriores dos homens, tanto em política como em religião

Como vai dizer Rousseau (CS, Livro Iv, Cap. VIII), Hobbes “ousou propor que se reunissem as duas cabeças da águia e se reconduzisse tudo à unidade política, sem a qual jamais serão bem constituídos o Estado e o Governo“.

Palavras (Words) e a Espada (Sword)

Para Hobbes, as palavras constantes dos pactos sem a espada (sword) não seriam mais do que palavras (words)

A espada é o necessário “poder visível para … uni-los pelo temor dos castigos tanto na execução das suas convenções quanto na observação das leis da natureza

Há, assim, uma mútua relação entre a proteção e a obediência

O direito que têm os homens, por natureza, de proteger-se, quando ninguém mais pode fazê-lo, é um direito que não se pode abandonar através de nenhuma convenção

O totalitarismo racional

Nos anos trinta Hobbes serviu de pretexto para longos debates. Joseph Vialatoux, La Cité de Hobbes. Théorie sur l’état Totalitaire. Essai sur la Concéption Naturaliste de la Civilization, Lyon, 1935, considerou que a doutrina de Hobbes seria a mesma do estado Totalitário seu contemporâneo. Para este autor, Hobbes seria um fisiocrata político. Assim, ao abandonar o homem no reino da natureza, consumaria a respetiva escravização.

Outra a posição de René Capitant, Hobbes el l’État Totalitaire, in Archives de Philosophie du Droit et de Sociologie Juridique, 2, 36. O nazismo seria organicista e místico contra o individualismo racionalista de Hobbes, implicando uma espécie de liberalismo moral.

Carl Schmitt, Der Leviathan in der Staatslehre von Thomas Hobbes ( duas conferências, uma em leipzig em janeiro de 1938, outra em Kiel, em abril do mesmo ano. Schmitt chama-lhe precursor do totalitarismo que então defendia, ao lado de Maquiavel, Nietzsche e Sorel.

Individualismo e Estatismo

Cada indivíduo é um Principe.

Geometrização da política

Profeta do estado de providência