Arendt, Hannah (1906-1975)

Nasce na Alemanha de uma família judaica. Discípula de Heidegger e Jaspers, foi educada no existencialismo. Doutora em filosofia por Heidelberg em 1928. Expulsa da Alemanha, vive em França até 1941. Passando por Lisboa, instala-se, depois, nos Estados Unidos.

A Arendt cabe, talvez, a mais original retomada do conceito clássico de polis como um espaço público, uma praça pública, esse lugar integrador que não admite a oposição dualista Estado/Sociedade, regressando-se a uma perspetiva que também está próxima do conceito neotomista de sociedade política, procurando a harmonização do Estado-aparelho de Poder com o Estado-comunidade. A antiga assistente de Heidegger tenta conciliar o existencialismo com certo vitalismo romântico, onde a política aparece como a arte que ensina aos homens a produzir o que é grandioso e radiante. Destaca-se como analista do totalitarismo (1951) e da revolução (1962). Sem nunca ter aderido a um partido e a um movimento político, também não nos deixou uma escola de pensamento, até porque se recusou a criar um sistema. Porque considera que o pensamento se distingue do conhecimento científico: tem sempre um caráter provisório, como a teia de Penélope, onde se está sempre a desfazer o trabalho que antes se levou a cabo. Importa mais levantar os problemas mesmo que não se encontre solução para os que foram identificados.

O consentimento e a liberdade 

A sua tese central é a consideração do consentimento como a base da autoridade e da liberdade como a essência da política. Defende que o sentido da política é a liberdade. Assim, o sentido da política, e não o seu fim, consiste na circunstância dos homens livres, para além da violência, do constrangimento e do domínio, terem entre si relações de iguais e não serem chamados a comandar e a obedecer senão quando pressionados pela coação, isto é, em tempo de guerra .

Federalismo 

Também nós queremos seguir a esperança de Hannah Arendt no sentido de se mudar o presente conceito de Estado e os únicos rudimentos que vemos para um novo conceito de Estado podem ser encontrados no sistema federalista, cuja vantagem é que o poder não vem nem de cima nem de baixo, mas é dirigido horizontalmente de modo que as unidades federadas refreiam e controlam mutuamente os poderes. Um conceito que, no plano das relações externas, talvez implique uma autoridade não supranacional, mas sim internacional, dado que uma autoridade supranacional seria ou ineficaz ou monopolizada pela nação que fosse por acaso a mais forte, e assim levaria a um governo mundial, que facilmente se tornaria a mais assustadora tirania concebível, já que não haveria escapatória para a sua força policial global — até que ela por fim se despedaçasse.

Sistema de conselho 

Esse conceito,no plano interno, exige uma nova forma de governo que é o sistema de conselho que, como sabemos, pereceu em todo lugar e em toda época, destruído diretamente pela burocracia dos estados-nações ou pelas máquinas dos partidos e que passa pela criação de uma série de espaços públicos de lugares de trocas de opinião, onde é possível um processo auto-seletivo que agruparia a elite política verdadeira de um país, mas uma elite aberta, onde entrariam todos os que se interessam pelos assuntos públicos. Com efeito, Arendt não advoga nem a noção de governo mundial nem a de cidadania mundial, como as defenderam certos idealismos liberais. O federalismo que propõe, pelo contrário, assume-se como horizontalista, implicando uma dupla cidadania: a das pertenças locais, regionais e nacionais e a da pertença à oikoumene, as quais seriam complementares.

  • The Burden of our Time. Nova York, Harcourt, Brace & World, 1951. Cfr. trad. port. O Sistema Totalitário, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1978; ed. al. Elemente und Ursprunge totaler Herrschaft). A obra, depois intitulada The Origins of Totalitarianism, é constituída por três estudos separados: «Sobre o Anti-Semitismo», «O Imperialismo» e «O Sistema Totalitário».

  • Between Past and Future. Eight Exercises on Political Thought, 1954. Trad. fr. La Crise de la Culture, Paris, Éditions Gallimard, 1972 Trad. port. Entre passado e futuro, São Paulo, Editora Perspectiva, 1972
  • The Human Condition. Chicago, The University of Chicago Press Trad. fr. La Condition de l’Homme Moderne, Paris, Éditions Calmann-Lévy, 1961.
  • On Revolution, 1958. Trad. port. de I. Morais, Sobre a Revolução, Lisboa, Moraes Editores, 1971.
  • Eichmann in Jerusalem. Nova York, Viking Press, 1963.
  • Men in Dark Times. Nova York, Harvest Books, 1968. Trad. port. Homens em tempos sombrios, São Paulo, Companhia das Letras, 1987
  • On Violence. Nova York, Harcourt, Brace & World, 1970.
  • Crises of Republic. Nova York, Harvest, 1972. Inclui o anterior On Violence Trad. port. Crises da República, São Paulo, Edições Perspectiva, 1972.
  • Was ist Politik?, 1993. Trad. fr., Qu’est-ce que la Politique? Ursula Ludz, ed., Sylvie Courtiner-Denamy, trad., pref., Paris, Éditions du Seuil, 1995.
  • Adeodato, João Maurício Leitão, O Problema da Legitimidade. No Rastro do Pensamento de Hannah Arendt, Rio de Janeiro, Forense, 1989
  • Bradshaw, Leah, Acting and Thinking. The Political Thought of Hannah Arendt, Toronto, University of Toronto Press, 1989.
  • Canovan, Margaret, The Political Thought of Hannah Arendt, Nova York, Harvest, 1974.
  • Kateb, George, Hannah Arendt. Politics, Conscience, Evil, Totowa, Nova Jersey, Rowman & Allenhead, 1983.
  • Lafer, Celso, Hannah Arendt. Pensamento, Persuasão e Poder, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979.
  • Parakh, Bhikhu, Hannah Arendt and the Search for a New Political Philosophy, Hong Kong, Humanities Press, 1981.
  • O’Sullivan, Noel, A Nostalgia Helênica e a Sociedade Industrial, in Crespigny, Anthony, Minogue, Kenneth R., Filosofia Política Contemporânea, trad. port., Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1982, pp. 223 segs..